Além da “aborrecência”- A beleza do ensaio dos “Terrible two” ao vulcão da adolescência.
Construindo as bases e as pontes com a vida e consigo mesmo.
A vida contém belezas, bondade, e felicidades assim como dúvidas, medos, raiva, desafios e angústias.
Lidar com os nossos próprios sentimentos nem sempre é fácil, tão pouco é fácil lidar com os sentimentos dos nossos filhos. Explosões, choros e crises fazem parte, e, não raras vezes, para ambas os lados.
Ataques ao peito, à troca de fraldas, à mudança de jeitos: quando comer não é mais como e quando queremos – o ritmo vai mudando, cabendo a nós pais apenas acompanhar, guiar e limitar, sem calar ou impor. Ouvir e acompanhar. Quando a roupa não é mais exclusivamente escolhida por nós, quando as brincadeiras tomam forma e vida independentes. Quando eles começam a se revelar – pela fala, pelo gesto, pelo brincar …
Atenção, não é uma simples “birra”!!! Dar-lhes voz e compreender o fator desencadeante é nos abrir para o diálogo. As bases de todos os relacionamentos nasceu em casa e agora será posto à prova. Além de sobrevivermos, cabe-nos nos perguntar o que queremos que eles levem como lição a ser aplicada pela vida a fora.
Pode-se optar por carregar o peso do mundo sob os ombros- tudo é minha culpa!- ou considerar que ele sequer existe – que malcriado e genioso!.
Pode-se culpar por tudo, inclusive por aquilo que sequer pertence; ou por nada, negligenciando o que de fato cabe.
Pode-se sentir, por diversas vezes, o abismo surgir sob os pés, as dúvidas imperarem. Está tudo bem. A construção de nós e deles se dá no dia-a-dia, na experiência das descobertas e dos desafios. Ela não tem fim, e só acaba quando desistirmos do amor e da vida.
Mas não nos enganemos, também a eles chegará a hora de revelar seus gostos e desejos. Quando menos esperarmos, estarão esvaziando as suas próprias mochilas, abandonando as suas velhas roupagens e questionando os pesos disparatados.
Terão, eles mesmos, que caminhar de peito aberto, pés descalços, braços nus. Caminharão com a coragem, com a garra, com a prepotência e com a ilusão da invencibilidade, e da inconsequência que tudo arrisca e pode. Nossa função: mantermo-nos, novamente, firmes, sobrevivendo aos ataques de onde nascerá a base deste indivíduo. Sobrevivendo, limitando, mas lembrando-nos, a cada instante, do que podemos contribuir para aquilo que levarão para a vida a fora.
Tardará, mas chegará a hora deles se libertarem de si mesmos, de verem o que disso tudo o que lhe foi embutido e neles habita o que verdadeiramente lhe pertence, constrói e faz sentido. Um dia, haverão de retirar de si a bagagem que não lhe compete, por mais que tenha sido dada com muito amor e com as melhores das boas intenções. Um dia hão de questionar tudo e a todos, ao mesmo tempo.
Chegará a hora de serem responsáveis tão somente pela sua própria existência, e por tudo o isto engloba e pressupõe.
Não se assustem quando se der conta de que o nosso barco não comporta mais os deles. E que chegou a hora de apartar . Cada embarcação comporta tão somente e nada além do que a própria existência. Mas nada está perdido! Lembrem-se: para poderem aportar, eles primeiramente precisam ter tido um lar, para depois “abandoná-lo”. Apenas desde modo é possível o retorno.
Enquanto o esvaziam, insistente e diariamente, conseguirão perceber, ver, e acolher verdadeiramente o outro – este que lhe pertence, mas não é visto, ou tão pouco aceito. E poderão devolver o que contido está, mas que não lhes pertencem ou faz sentido.
Devolver ao outro tudo aquilo que de fato não é seu, e acolher o que é verdadeiramente lhe pertence, mesmo quando lhe parece estranho a si mesmo – este é o meu maior presente que podemos dar aos nossos filhos.
Não se iludam, para isto ocorrer será necessário entrar em contato com as nossas antigas feridas- medalhas com que a vida desde cedo nos presenteia – ressignificar a nossa própria história, rever a nossa própria trajetória, redefinir continua e diariamente a nossa própria vida. Buscar pelas nossas verdades, é permitir que busquem pelas deles, pelo seu modo de ser, de agir, de ver e de se apresentar a este mundo. E buscar o seu espaço em si e mundo inclui cair, levantar, rir e chorar – não adiante tentar superproteger… Amar é libertar. É deixa-los ser, acertar, errar, sabendo que, o mais importante é que estaremos aqui!
Vai, meu filho, seja mesmo esta metamorfose ambulante, não se limite a cobranças da sociedade, não se contente em ter aquela velha opinião formada sobre tudo.
Se o quiserem casado, fútil, quotiano, tributável. Se o quiserem desbravador, inquieto ou insaciável. Se quiserem contrário disto, e o contrário de qualquer coisa? Não lhes faça, a ninguém, e nem mesmo a mim, a vontade. Se seja, acima de qualquer coisa, concordando ou discordando, com a firme base que desde o berço construímos. Acerte, erre, repare, reconcilie, some ou subtraia, respeitando a si e aos outros, assim como fizemos – ou procuramos fazer- desde a seu primeiro batimento cardíaco.
Para construir algo novo, sei que terá de destruir o velho. Não se preocupe, sobreviveremos aos seus ataques, daremos os limites necessários, dando-lhe o espaço para conquistar sua maturidade.
Ao final, estou certa de que nos reencontrarmos, e nos reconheceremos: o filho adulto, criado, independente, com o seu velho porto seguro, que crescerá a cada dia mais dentro de si mesmo.
A este velho caminho que não mais lhe pertence
A este algo de novo em que vislumbra se reencontrar
Ao descarte das firulas e a incessante busca pela sua verdade.
Às velhas amarras e distorcidas vendas
A tudo isso, juntos, damos aquele abraço.
Que nós pais consigamos compreender estes ricos e desafiadores momentos, que sejamos o espelho que reflete, aceita, acolhe e limita ao invés do simples sermos o juiz que condena. Que não tenhamos medo de sermos duros quando necessário, que não nos falte a força e a vitalidade para dar o limite de que necessitam e que sejamos acolhedores. Que os vejamos como se mostram e se constroem a cada segundo, em cada dia.
Que eu permita, e em meio a todas estas dúvidas e metamorfoses , que haja o verdadeiro encontro: a magia da vida e o poder das infinitas possibilidades, com todos os riscos erros e acertos que isto significa.
Voe, voe minha filha, ao encontro de você mesma.
Voe, voe longe, sem receios! Saiba que, por onde andar, terá sempre este lar para pousar.
Dra. Ana Fonseca
CRM-SP 163450
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